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Pandemia, comércio internacional e multilateralismo


A crise sanitária causada pela pandemia COVID-19 tem sérias consequências para o comércio internacional e veio adensar o movimento protecionista de algumas das maiores economias do globo e, por conseguinte, a agravar a crise do multilateralismo no comércio global.

A Organização Mundial do Comércio (OMC) estima uma queda de 13% a 32% no comércio de bens em 2020. Não só as necessárias restrições impostas por quase que a totalidade dos países reduziram o consumo de bens, como também, alguns setores se viram obrigados a reduzir sua produtividade a fim de evitar a disseminação da doença.


Ao se observar os fluxos de comércio do Brasil, tem-se que por um lado, as exportações aumentaram nos primeiros meses de 2020. Houve aumento de 8% nas exportações de janeiro a fevereiro, 20% de fevereiro a março, quando ocorreu o surto do coronavírus na Ásia e manteve-se em abril. O aumento foi de 26% quando considerado o período de janeiro a abril deste ano. Contudo, o bom desempenho exportador brasileiro é atípico e pode ser atribuído não só ao derretimento do câmbio do real frente ao dólar, que torna os produtos brasileiros mais competitivos no mercado externo, mas também ao posicionamento do Brasil como um grande fornecedor mundial de bens essenciais como alimentos, setor menos afetado pela crise sanitária.


Ademais, é possível que no futuro, mesmo após a retomada do consumo com a contenção da pandemia, os países incentivem o aumento da produção doméstica em detrimento das importações. O mesmo movimento pode ocorrer no setor privado, refreando o avanço das cadeias globais de valor, em função de prejuízos ao abastecimento de matérias-primas e entraves logísticos enfrentados por multinacionais durante a crise do coronavírus devido às reduções de produtividade e restrições à livre circulação de pessoas, veículos e bens. Assim, visando localizar a aquisição de insumos, entes privados podem reforçar uma tendência de substituição das importações por bens domésticos, incentivada pelo setor público na tentativa recuperar índices econômicos e de emprego.


É verdade que a imposição de restrições às importações não é uma tendência que surgiu com a crise sanitária, mas sim que veio agravar um movimento protecionista que já existia. A adoção de barreiras não-tarifárias pela União Europeia, a guerra comercial entre Estados Unidos e China, entre outras tensões comerciais no eixo Sul-Sul, são evidências da retomada do protecionismo nos últimos anos, com amplo apoio popular e incremento dos movimentos antiglobalistas. Tais conflitos aprofundam a descrença no sistema multilateral de comércio consubstanciado na OMC que já vinha enfrentando dificuldades nas rodadas que visam remover entraves ao comércio internacional.


Recentemente, o Chanceler brasileiro Ernesto Araujo criticou o multilateralismo, alegando que os sistemas multilaterais fazem parte de uma ideologia que “recusa a realidade e se impõe na realidade” e segundo a qual o sistema internacional “substitui nações independentes”. No mesmo sentido, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao comentar a saída antecipada do Diretor-Geral da OMC, Roberto Azevedo, do cargo, afirmou que a organização é “horrível”.


Como consequência, intensifica-se ainda mais a celebração de acordos bilaterais ou plurilaterais de comércio, nos quais as reduções de barreiras comerciais vigoram apenas entre as partes, não para todos como no sistema multilateral. Ainda que a realização desses acordos seja um avanço em diversos sentidos, costumam ser desvantajosos para países em desenvolvimento no tocante ao comércio de bens e diversificação da pauta no comércio internacional 1 . Diante disso, o enfraquecimento do multilateralismo, do qual o Brasil sempre foi adepto, e fortalecimento de negociações entre nações pode frustrar os esforços nacionais em exportar também produtos manufaturados, não só bens agrícolas que costumam liderar das exportações brasileiras.


Por essas razões, o Brasil deve ficar atento para ideais antiglobalistas não aprofundem os prejuízos do comércio exterior brasileiro para além das restrições já naturalmente enfrentadas em decorrência da crise sanitária e da recente onda protecionista que assola o mundo.



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